03 de Maio de 2024

Manobra no TJ permitiu homologação do acordo de desmatamento

Nomeação de magistrada que substituiu o juiz titular da ação contrariou norma do próprio Tribunal

Quarta-feira, 17 de Janeiro de 2024 - 12:41 | Redação

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Manobra no TJ permitiu homologação do acordo de desmatamento
Acordo homologado pela Justiça vai permitir desmatamento no Parque dos Poderes (Divulgação)

A homologação do acordo judicial que permitirá o desmatamento de 19 hectares no Parque dos Poderes só foi possível em função de manobra administrativa feita pelo presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Sérgio Fernandes Martins.

Contrariando o que estabelece o Provimento de número 113, de 4 de dezembro de 2006, do próprio TJMS, no dia 8 de janeiro passado Martins nomeou a juíza Elizabeth Rosa Baisch para substituir em suas férias o titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Homogêneos, juiz Ariovaldo Nantes Corrêa.

O magistrado preside desde 2020 o processo através do qual o Ministério Público Estadual inicialmente requereu a suspensão de toda e qualquer licença de desmatamento no Parque dos Poderes, o que se deu após o governo do Estado ter anunciado a supressão de vegetação para a ampliação de vagas de estacionamento.

Novo entendimento

A Ação Civil Pública foi ajuizada pelo promotor de Justiça Luiz Antônio Freitas de Almeida ainda em 2019, mas ao longo dos anos ele se convenceu de que seria mais “vantajoso” a formalização de um acordo no processo para que a demanda tivesse o seu mérito julgado o quanto antes.

Ao justificar a necessidade da composição entre o MPE, Governo do Estado (Imasul e Secretaria de Administração), Tribunal de Justiça, PGE e Defensoria Pública para que a ação fosse julgada, ele disse que a Lei nº 5.237, de 17 de junho de 2018, prevê a possibilidade de se desmatar até 28 hectares de mata nativa, ao passo que os interessados pretendem desmatar “apenas” 19 hectares.

Ao invés de se insurgir contra a lei, o promotor Luiz Antônio optou por defender o acordo e dessa forma permitir que o Tribunal de Justiça possa construir a obra faraônica do novo Palácio da Justiça e o governo ampliar as vagas de estacionamento.

A proposta de acordo que consta dos autos teve a sua última alteração no dia 20 de novembro do ano passado.

O processo estava concluso para julgamento, mas o presidente da ação, juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos entrou em férias em dezembro do ano passado.

Lista de substitutos

De acordo com o Provimento 314/2014 do TJMS, que estabelece de forma expressa a lista de substitutos regulares, seu sucessor imediato seria o titular da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, Marcelo Ivo de Oliveira, que também está de férias.

Na sequência, estão aptos a substituí-lo, em ordem expressa, o juiz da Vara Regional de Falências, ou, finalmente, o da Vara de Execução Fiscal da Fazenda Pública Municipal, esta última sob a titularidade de Wagner Mansur Saad, que se encontra em pleno exercício de suas funções.

Manobra no TJ permitiu homologação do acordo de desmatamento

Manobra interna

Mesmo existindo a lista, o desembargador Sergio Martins simplesmente atropelou o Provimento 314/2014 e incialmente nomeou a juíza Sandra Regina da Silva Ribeiro Artioli para a substituição “legal” de Ariovaldo Nantes. 

O ato foi publicado no Diário da Justiça em dezembro de 2023, mas a magistrada acabou sendo substituída em função de ter entrado em licença.

No seu lugar, na sugestiva data de 8 de janeiro passado, em ato publicado na imprensa oficial Sergio Martins nomeou Elizabeth Rosa Baisch, que a exemplo de Sandra Artioli, responde por uma das varas do Juizado Especial.

Tanto Sandra quanto Elizabeth não constam da relação de magistrados aptos a substituir Ariovaldo Nantes em seu período de férias.

Manobra no TJ permitiu homologação do acordo de desmatamento

Decisão rápida

Da data em que assumiu como substituta “legal” a vaga de Ariovaldo Nantes Corrêa, em 8 de janeiro, até a última segunda-feira (15), quando foi publicada no site do TJMS a homologação do acordo, passaram-se apenas 8 dias.

Nesse curto espaço de tempo, Rosa Baish estudou todas as 1.600 páginas do processo, extremamente complexo e que tramita há cinco anos, e numa decisão de 15 laudas, baseada apenas nos argumentos das partes interessadas no desmatamento (MPE e PGE), a magistrada proferiu a decisão.

Nulidade

Por ser norma expressa e de ordem pública, o Provimento 314/2014 não poderia ter sido desrespeitado pelo presidente do TJ. Por conta disso, a homologação do acordo poderá ser anulada.

Os ambientalistas que tentaram integrar a ação na condição de assistentes, todos excluídos por Elizabeth Rosa Baish – um deles estava inclusive no prazo legal para se manifestar nos autos –, irão inicialmente apelar da decisão. Ainda assim, outras medidas estão sendo estudadas.

Nesta quarta-feira, o representante do Movimento Popular Preservação da Natura, Jesus Alfredo Ruiz Sulzer, divulgou “Carta à cidade de Campo Grande” abordando não apenas as manobras ocorridas no âmbito do Poder Judiciário, como também as medidas judiciais que serão adotadas contra a homologação.

Leia abaixo o documento, na íntegra

CARTA À CIDADE DE CAMPO GRANDE

Uma das garantias que a Constituição oferece aos brasileiros é a expressa pelo princípio do “juiz natural”, que assegura a todos o direito de ser julgado por um juiz neutro, previamente designado por lei para julgar todos os casos da mesma espécie.

É a proibição, em outras palavras, do “tribunal de exceção” ou de nomeação de um juiz especial para julgar uma determinada questão.

Obedecendo esse princípio, no nosso Estado todas as ações relativas a “direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos”, como os direitos de proteção ao meio-ambiente, são de competência de 2 juízes na Capital, únicos competentes para julgar essas ações, que são os da 1ª e 2ª Varas de Direitos Difusos.

Quando um desses juízes não puder exercer sua função (por doença, férias ou qualquer afastamento), a Lei estabelece seus substitutos imediatos – isto também em cumprimento do princípio do “juiz natural“.

No caso do Juiz da 1ª Vara de Direitos Difusos da Capital, a Lei, previamente, estabeleceu seu substituto, que, em primeiro lugar, deve ser o Juiz da 2ª Vara de Direitos Difusos ou, sucessivamente, por conta de seu eventual impedimento, o da Vara Regional de Falências, ou, finalmente, o Juiz da Vara de Execução Fiscal da Fazenda Pública Municipal.

No início do ano de 2019, o Ministério Público do Estado propôs uma ação civil pública contra o Estado de MS para vedar o desmatamento de uma parte da vegetação nativa do Parque dos Poderes para estacionamento junto à Secretaria de Fazenda.

Na ação do MPE  foi concedida uma liminar proibindo o desmate  pretendido e, – após quase cinco anos paralisado  – foi ressuscitado  o processo para acolher um “acordo” entre o Tribunal de Justiça e o Governo do Estado, com a presença do Poder Judiciário, para permitir o desmatamento de cerca de 18,66 ha,  abrangendo as 6,3 ha apossadas pelo Poder Judiciário, que, adredemente, já havia fincado placa para marcar a iminente construção  do seu “Palácio da Justiça”,  para cujas obras, aliás, já dispendeu, sem licitação, mais de 4 milhões de reais.

Acontece, porém, que esse “acordo” foi firmado em evidente afronta à Lei estadual 5.237/2018 que veda a pretensão de desmate da área nele indicada, e, portanto, a do Tribunal de Justiça, e, portanto, trata-se de um acordo absolutamente ilegal, tanto que, segundo seus próprios dizeres, será necessária uma Lei ainda a ser votada pela Assembleia Legislativa para “legalizar” a homologação dada pelo Juiz.  Essa a prova evidente de sua ilegalidade.

Está claro que o acordo, antes mesmo que a Assembleia vote uma Lei a pedido do Poder Executivo para legaliza-lo, tem a indisfarçável e clara finalidade de extinguir a ação, e com ela a liminar ainda em vigor, vedando qualquer desmate na área do Parque dos Poderes, para liberar a área para início da construção do Palácio da Justiça, até mesmo para justificar os mais de 4 milhões já gastos com projeto e cercas edificadas na área.

No limiar do recesso forense, esse malsinado “acordo” foi levado ao Juiz competente, como dito, o da 1ª Vara dos Direitos Difusos para que, homologado, fosse, afinal, extinta a ação e, com ela, a liminar que vedou o desmate de área não prevista na citada Lei estadual, permitindo, assim, ao Tribunal dar início às obras do grandioso Palácio da Justiça.

Estando de férias o titular da Vara de Direito Difusos, o juiz competente, segundo a lei e o princípio constitucional do “juiz natural”, seria então o da 2ª Vara de Direitos Difusos e, na falta dele, o Juiz da Vara de Falências, ambos também em gozo de férias, restando, portanto, como competente o juiz da Vara de Execução Fiscal, no pleno exercício de suas funções.

Esse seria o rito preconizado em Lei, como garantia constitucional do princípio do juiz natural, não fosse a intromissão indevida do Tribunal de Justiça em nomear para substituir o juiz titular, nos 10 dias finais do recesso e das férias do juiz titular, uma Juíza fora da lista de substituição preconizada na Lei Estadual.

Ou seja, a substituição, ao invés de ser feita, como está dito na Lei, pelo Juiz da Vara de Execução Fiscal da Capital, em pleno exercício de suas funções, foi feita, nos 10 dias restantes do recesso, por uma Magistrada fora da previsão de substituição prevista na Lei, em franco atentado ao princípio constitucional do “juiz natural”, parecendo até uma nomeação encomendada para homologar o acordo.

Estranhamente, mas sem retirar a hipótese da mera coincidência, a Magistrada nomeada, incontinenti, selecionou entre as prioridades do seu curto período de substituição, justamente o processo que dormitava há quase 5 anos, e, sem qualquer ressalva, homologou o “acordo”  formulado contra os termos da Lei n. 5.237/2018, que veda o desmate na área do Parque dos Poderes, na expectativa de que a Assembleia Legislativa, por iniciativa do Executivo, alterará a lei vigente para amoldá-la aos exatos parâmetros do “acordo”.

Este é o teor do “acordo” ilegal – tanto que precisa de uma lei a ser votada pela Assembleia Legislativa para legaliza-lo! A prova da ilegalidade está, portanto, nos próprios termos do acordo.

É por isso que estamos trazendo ao conhecimento dos cidadãos deste Estado esses fatos lamentáveis, dando nosso testemunho de que não vamos desertar da luta.

Ao contrário, agora na esfera judicial, vamos recorrer da sentença homologatória, posto que proferida por Juiz incompetente, e, pior, tendo por base um “acordo” visivelmente ilegal, conforme se depreende de seus próprios termos, firmado com a inequívoca finalidade de extinguir a ação e por consequência a liminar, a fim de legalizar a posse abusiva do Tribunal de Justiça em área preservada por lei.

Nós, não eles, confiamos na Justiça!

Campo Grande, 16 de janeiro de 2024.

MOVIMENTO POPULAR – PRESERVAÇÃO DA NATUREZA

Jesus Alfredo Ruiz Sulzer

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