Por mais investimentos públicos contra o câncer no Brasil
Carlos Gil Ferreira e Gustavo Fernandes *
Com a estimativa de mais de 2 milhões de novos casos e 700 mil mortes no triênio 2023-2025, o câncer deve se tornar a doença que mais tira vidas no Brasil já em 2027, e tal problema precisa ser tratado de forma central na agenda da saúde pública do país.
Atentem: o número de mortes por câncer é próximo aos causados pela covid-19 – a maior pandemia da nossa história recente.
Por isso, se faz cada vez mais urgente reduzir o impacto do câncer em nossa sociedade e falarmos a respeito sem rodeios ou delongas.
Em 2022, o investimento em tratamento de câncer pelo Sistema Único de Saúde (SUS) somou apenas 3% dos recursos totais destinados à saúde no país, com valor total investido de R$4 bilhões.
Para efeito comparativo, o governo federal investiu, apropriadamente, diga-se, R$38 bilhões somente em vacinas para covid-19, ou seja, cerca de dez vezes o investimento em câncer.
O investimento no combate à pandemia é racional, mas é irracional o limitado investimento em políticas de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento do câncer.
Os cânceres de mama, próstata, pulmão e intestino são os mais comuns e lideraram o uso de recursos em tratamento oncológico no SUS no ano passado, representando 54% do total destinado à área.
Esses recursos, embora proporcionalmente elevados, são nominalmente insuficientes e não há programas de prevenção ou diagnóstico precoce implantados para nenhum destes tumores.
Além de investimento proporcional ao impacto do câncer na sociedade, é preciso, urgentemente, implantar políticas de prevenção e diagnóstico precoce para os tumores mais comuns em todo o território nacional.
Tais ações são nossa “vacina” contra casos avançados e mortes, além de evitarem muito sofrimento nos lares e altos custos ao SUS e à toda a sociedade.
Sensibilizado pela necessidade gritante de ações na área, o Congresso Nacional tem buscado alternativas para o enfrentamento do câncer em diferentes Projetos de Lei (PL).
De autoria do deputado federal Dr. Frederico, o PL nº 3070/2021 estabelece que a disponibilização dos tratamentos oncológicos deverá ocorrer em até 180 dias após a recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia do SUS (Conitec).
Já o PL nº 2952/2022, proposto pelos deputados Weliton Prado e Silvia Cristina, tem como objetivo instituir a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no âmbito do SUS.
Em maio de 2023, a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) enviou documento ao Ministério da Saúde e à Comissão Intergestores Tipartite (CIT), propondo um mecanismo de acesso efetivo de pacientes a antineoplásicos incorporados ao SUS.
A proposta, que foi recentemente incorporada ao documento final da Conferência Nacional de Saúde, sugere a implementação de um algoritmo decisório baseado em informações apresentadas por grupos de trabalho e em discussões públicas.
Esta ação da SBOC ressalta a necessidade de uma política efetiva para o cuidado dos pacientes já diagnosticados, a fim de garantir que nenhum deles fique sem acesso ao tratamento adequado e oportuno.
A falta de atualização adequada dos valores de procedimentos tem levado a atrasos na oferta de tratamentos incorporados e à desigualdade no acesso.
Estudos revelam a existência de diferentes categorias de hospitais, com alguns oferecendo opções terapêuticas superiores às diretrizes do Ministério da Saúde, enquanto outros não conseguem oferecer os tratamentos previstos.
Diante desses problemas, a proposta da SBOC visa aprimorar o modelo de financiamento da atenção oncológica e implementar medidas para garantir o acesso oportuno e igualitário aos antineoplásicos no SUS.
Ao investir de forma estratégica no enfrentamento do câncer, o país não apenas demonstrará seu compromisso com o bem-estar dos cidadãos, mas também proporcionará esperança e alívio a milhões de famílias.
* Gustavo Fernandes é médico oncologista clínico e ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Gestão 2015-2017)
* Carlos Gil Ferreira é médico oncologista clínico e Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC)